Exposição em Londres | As cartas de Van Gogh

FOTOGALERIA É fascinante a proposta da nova exposição da Royal Academy of Arts, patente em Londres até 18 de Abril: redescobrir a obra de Van Gogh através das suas cartas. Não é só a intimidade do artista que ficamos a conhecer melhor, mas a base de toda a sua obra. Perturbadora e sublime 



Sonhos, ideias, indicações, queixas, desilusões, depressões. As cartas de Van Gogh são um autêntico mapa da sua personalidade. Contam os pequenos episódios do dia-a-dia, ao mesmo tempo que contextualizam as grandes criações do pintor, que nasceu em 1853 e se suicidou em 1890.
Poucos artistas da sua época, muito antes dos documentários e da internet, deixaram uma imagem tão verdadeira de si próprios. É claro que, como a sua pintora, estes textos escritos em estados psicológicos muito diversos são expressionista. Revelam uma visão do mundo intencionalmente deturpada. As frases, como as cores, não respeitam convenções. São reforçadas, adulteradas, metamorfoseadas. E, no entanto, acabam por ser a melhor legenda do seu trabalho. Maioritariamente dirigidas ao seu irmão Theo, mas também a artistas, figuras da sociedade francesa e mecenas, as cartas que exposição da Royal Academy os Arts apresenta estão cheias de quadros em potência, pequenos enquadramentos, paisagens por colorir, retratos humanos, fragmentos de uma realidade que van Gogh nunca deixou de fixar, desde a intimidade do seu quarto, ao poder esmagador da Natureza.


"O principal desejo de Van Gogh era o de significar qualquer coisa para as pessoas à sua volta, dar uma contribuição para a sociedade e se possíivel oferecer algum consolo para a inevitável tristeza da existência humana", afirmam, no catálogo, os comissários da mostra, Ann Dumas, Nienke Bakker, Leo Jansen e Hans Luijten. Paradoxalmente e apesar das sucessivas depressões que atormentaram a sua vida, o artista conseguiu cumprir a sua missão. Hoje, como logo a seguir à sua morte, é um dos maiores artistas de todos os tempos. E autor de uma obra fundamental para se perceber a modernidade.
Não é por acaso que ciclicamente se regressa a van Gogh, como os próprios fauvistas e cubistas assinalaram no início do século passado. Depois das incursões fora do atelier do Romantismo e das experiências técnicas do Impressionismo, é literalmente a visão do artista que mais importa. O seu cunho pessoal - que sempre esteve lá, mas nem sempre devidamente reconhecido-, e a sua mundivisão. As cores de Van Gogh, como as de El Grego, tocam-nos porque parecem irrepetíveis. Tal como aquelas pinceladas e a constante atenção à distância e à proximidade, ao exterior e ao interior.


Neste diálogo com as cartas, o que mais surpreende é a forma como o desenho, que seguramente o artista fazia rapidamente, à medida que ia escrevendo e tendo ideias visuais, mostra todos os ingredientes que vamos encontrar nas pinturas. A atmosfera sombria, mesmo quando capta o verão, uma sensibilidade para o imanente, os contornos que se definem por um conjunto de traços curtos mas expressivos.
Seguramente que muitos projectos de quadros ficaram pelo caminho - e mesmo assim Van Gogh é de uma produtividade assinalável. Mas com estes esquissos e estes escritos pessoais talvez possamos entrar na sua cabeça e perceber a sua genialidade. Assim como quem abre uma arca pessoana.