Júlio Resende |
O Lugar do
Mestre JÚLIO RESENDE Chama-se Lugar do Desenho, fica em Valbom, Gondomar, e é
um projecto que condiz com a figura que lhe esteve na origem: Júlio Resende. É
sábio e modesto, intemporal, o grande pintor de 83 anos que privilegia o
contacto com os mais jovens, faz-nos pensar, emociona-nos. Apenas três
funcionários, e um jardineiro, fazem o restante. Mas ainda hoje, quando fala
neste projecto, o Mestre passa a mão pela testa, como se procurasse acalmar um
turbilhão de ideias, de emoções, e sorri. Entretanto, naquele belo lugar é
sempre possível ver obras suas e agora está ali patente uma magnífica exposição
de ilustrações que foi fazendo ao longo da vida.
Um espaço
para abrigar desenhos e mais desenhos, tentativas acumuladas ao longo de muitos
anos de trabalho. Depois de uma depuração, sobraram, imagine-se, cerca de dois
mil desenhos. E o seu destino surgiu da iniciativa de amigos de Júlio Resende,
ligados à arte, que tiveram a ideia de criar um espaço onde esses trabalhos
pudessem ser expostos, de acordo com um critério que vai sendo definido caso a
caso.
"Achei
que a ideia não seria má: preservar e divulgar esses desenhos. Daí para a
frente foi, não uma luta, mas um desejo muito grande de concretizar o projecto.
Vamos com quatro anos de actividade, perto de cinco, cumprindo sem qualquer
dúvida os propósitos que estavam na essência do Lugar do Desenho". A única
pena é que, para construir este Lugar, e por razões burocráticas, "se teve
que fazer uma Fundação com o meu nome. Coisa em que não estou nada
interessado".
No fundo,
pretende-se que as pessoas possam ver um percurso, eventualmente com
hesitações. "Recuos não, porque suponho que nunca há recuos. Mas pode
haver hesitações, num período de mais de cinquenta anos". Naturalmente,
isso tem menos a ver com o criador, do que com toda a evolução que se deu,
desde os anos quarenta até hoje. O critério é o que procura não deixar nada na
pasta, seja tematicamente, ou abrangendo um período determinado em que o traço
do Mestre sofreu uma evolução.
O espaço,
acolhedor, é relativamente pequeno, e pretende, antes de mais, deixar as coisas
claramente postas, "em termos do que o desenho revela, estando imanente
dentro de nós". Há uma série de estudos que depois deram quadros, outros
não. É esse percurso que aqui se mostra, em exposições bastante visitadas por
grupos escolares de vários níveis, e outras associações.
PEDAGOGO
Enquanto docente na antiga Escola de Belas Artes, Júlio Resende já se tinha
apercebido de que aquilo que se fazia na Escola não tinha como objectivo claro
a comunicação, "o que me parece o fundamental". É também uma questão
de consciência do artista. A ESBAP, apesar das poucas condições, teve várias
iniciativas de divulgação, de contacto, mesmo no Interior do país. "E isso
é sempre muito enriquecedor, quer para quem usufrui, quer para o produtor
artístico".
"O que
estamos a fazer no Lugar do Desenho insere-se nesse mesmo espírito. Este é um lugar
de diálogo, não de monólogo. Aqui, os problemas, as questões, as dúvidas,
põem-se, mas ninguém é senhor da verdade. Quem guia as exposições fala ao nível
do interlocutor, e embora a arte acabe por ser transcendente, a sua discussão não
deve ter nada de transcendente". A questão da sensibilidade é muito
importante, e parece estar presente neste espaço, em permanência.
As
preocupações que sente Júlio Resende, "e hei-de morrer com preocupações
porque elas nunca se extinguem", levam-no à convicção de que qualquer
indivíduo tem várias capacidades, dispõe de órgãos que lhe possibilitam a
sensibilidade. "Esta só tem que ser despertada, e quanto mais cedo melhor.
Procuramos utilizar uma linguagem muito acessível, para falar das coisas que
estão ali, que se mostram. O que é que isso representa em termos de objectivos,
de forças que estão lá, que dinamizam a sensibilidade".