A pintura de Botticelli tem mais de 500 anos
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A expectativa que se cria à volta de um leilão não depende só da
arte que se vai vender – muitas vezes depende também de quem a coleccionou. É o
que se passa com a sessão que a Christie’s vai dedicar aos mestres do
Renascimento no fim de Janeiro, em Nova Iorque.
A estrela do leilão consagrado às tradições artísticas que se
desenvolveram por toda a Europa entre 1300 e 1600 é uma pintura de Sandro
Botticelli (c.1450-1510) - o mestre italiano que é autor de obras tão icónicas
como O Nascimento de Vénus e Primavera - que
pertenceu a John D. Rockefeller (1839-1937), magnata do petróleo e filantropo,
patriarca de uma das famílias mais poderosas dos Estados Unidos.
As grandes leiloeiras como a Christie’s e a Sotheby’s, lembrava
há dias o diário norte-americano The New York Times (NYT), têm
vindo a constatar, ao longo dos anos, que o nome Rockefeller pode ser uma
ferramenta de marketing muito eficaz, capaz de aumentar o interesse em torno
dos lotes e de fazer escalar os preços. Isto justifica o facto de a venda da
obra de Botticelli (c.1493-95), representando a Virgem com o Menino ao colo e
São João Baptista ainda criança, estar a ser promovida com o nome por que é
mais conhecida no mercado – a “Madonna Rockefeller”.
A Sotheby’s fizera o mesmo em 2007 quando o actual patriarca,
David, o único neto vivo do fundador da Standard Oil, vendeu um Mark Rothko de
1950 (Yellow, Pink and Lavender on Rose). Do “Rothko Rockefeller” a
leiloeira passou, já este ano, ao “Raza Rockefeller”, quando um dos herdeiros,
John D. Rockefeller III, decidiu levar à praça uma paisagem de 1958 assinada
pelo pintor indiano Sayed Haider Raza. “Esta venda dá-nos oportunidade de
reunir um grupo significativo de peças de um período para o qual há um apetite
extra”, disse ao NYT o responsável pelo departamento internacional de mestres
da pintura antiga da Christie’s, Nicholas Hall. O “apetite extra” a que se
refere decorre do interesse crescente que os coleccionadores dos “novos
mercados”, como a Rússia, a China, o Médio Oriente e o México, têm vindo a
demonstrar pela arte produzida entre o início do século XIV e o final do século
XVI, explica Hall.
Para o especialista da Christie’s há uma explicação simples para
este interesse redobrado – os coleccionadores percebem que as obras da
renascença são um bom investimento. Se não, vejamos: a pintura devocional de
Botticelli que vai ser leiloada em breve tem uma estimativa de venda entre os
3,8 e os 5,3 milhões de euros, ao passo que artistas como Andy Warhol
(1928-1987) e Mark Rothko (1903-1970) estão a vender por dezenas de milhões
(foi assim nas últimas semanas, com uma obra do ícone da pop art a
ultrapassar os 30 milhões de euros e outra do pintor de origem russa a atingir
os 57,7). As perspectivas de valorização de uma boa obra do Renascimento são
altíssimas, sublinha Hall. Para garantir que as pessoas certas (leia-se, os
potenciais compradores) vão ter acesso às obras ao vivo, alguns dos 30 lotes a
leiloar – pintura, escultura, desenho e gravura, de artistas como Fra
Bartolommeo, Lucas Cranach (O Novo e O Velho) e, claro, Botticelli – vão estar
expostos em Nova Iorque (no Centro Rockefeller, bem a propósito), Hong Kong,
Londres e Moscovo.
A obra de Botticelli, que em 2010 esteve à venda na Feira de
Arte e Antiguidades de Maastricht, a mais importante do mundo, tem um tema
comum à pintura devocional florentina – afinal, São João Baptista era o
santo-patrono de Florença – e representa a Virgem com um delicado véu
transparente a cobrir-lhe a cabeça e os ombros, algo comum entre as mulheres
solteiras da cidade, segundo um comunicado da leiloeira. O pedigree da obra é
estabelecido pelas colecções a que pertenceu, pelas exposições que integrou (Botticelli
e Filippino: Paixão e Graça Pintura Florentina do Século XV, Palazzo
Strozzi, Florença, 2004) e pelos estudos que sobre ela foram feitos por
especialistas de renome como Ronald Lightbown, autor de uma das monografias de
referência do pintor.
De recordar, refere o documento da Christie’s, que na primeira
edição do livro que dedicou a Botticelli (1979), Lightbown, que até então só
tinha visto a pintura através de fotografias, punha em dúvida que o mestre
italiano fosse o autor desta Virgem com o Menino e São João Baptista, opinião
que corrigiu dez anos mais tarde, na reedição, depois de ter examinado
detalhadamente o original. A cena representada, escreve Lightbown, “está
banhada num suave pôr-do-sol, muito característico deste momento na arte de
Botticelli, marcada por uma sensibilidade aguçada ao poder de sugestão emocional
e dramático da luz e da sombra”.
Nicholas Hall resume: “A ‘Madonna Rockefeller’ é um exemplo raro
e importante do estilo da fase madura de Botticelli.” Esta obra com 48cmX38cm
fez parte da colecção de Lord Duveen, um dos maiores negociantes de arte do
século XX. Foi a Duveen que os Rockefeller a compraram nos anos 1930. A pintura
manteve-se nesta família de filantropos durante meio século, tendo sido
adquirida depois por um coleccionador nova-iorquino que se mantém anónimo. Se
for arrematada no leilão de 30 de Janeiro – a Christie’s espera que as
estimativas sejam largamente ultrapassadas - mudará de mãos, mas dificilmente
mudará de nome.