O Quattrocento em Itália: construção, arte e erudição. Brunelleschi e a arquitectura como razão, ordem e proporção | M5
Capella Pazzi vista da fachada e interior
(Florença c. 1430)
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Ordem e proporção
O novo estilo que nasceu
em Florença na primeira metade do séc. XV e que acabou por se expandir por toda
a Itália e Europa foi obra de três homens: Brunelleschi, arquitecto; Donatello,
escultor; e Masaccio, pintor. Se na Cúpula da Catedral de Florença (fig.10),
Brunelleschi evocou o Panteão (118-125) numa construção profundamente “romana”, nas suas restantes obras aprofundou
de forma cabal o sistema clássico. De resto, o seu interesse por esta linguagem
havia de o levar a Roma com o propósito de observar e medir as ruínas antigas.
Com esta atitude pioneira, mas perfeitamente integrada no espírito da época,
Brunelleschi pôde constatar que, ao contrário da precedente arquitectura
gótica, a arquitectura clássica obedecia a um sistema de proporções fixas que
estabelecia as dimensões de todos e cada um dos elementos que a compunham, isto
é, determinada por uma ordem.
Por exemplo, no Hospital
dos Inocentes (pág.15), Brunelleschi estabeleceu aquele que seria o sistema
racional, de raízes matemáticas e geométricas, do espaço arquitectónico
renascentista. Na nova arquitectura, Deus manifesta-se nas matemáticas e na
geometria, através das quais impõe a sua ordem ao universo. Daí, a arquitectura
ter-se despojado de todo o supérfluo: não há frescos nas paredes, as janelas
deixam entrar a luz branca do dia e a tradicional planta de cruz latina dá
muitas vezes, lugar à planta central, coberta por cúpulas semiesféricas.
O quadrado e o círculo são
as figuras geométricas que, na sua perfeição, reflectem essa superior qualidade
de Deus. Sem principio nem fim e tendo o centro equidistante de todos os seus
pontos, o circulo é uma alegoria do infinito e da justiça suprema,
respectivamente.
Mas, a grande novidade da
arquitectura renascentista consistiu no método de representação que, a partir
de então, foi desenvolvido. A descoberta da perspectiva – por Brunelleschi, C.
1420 – e a valorização da geometria como elemento estruturante do espaço arquitectónico,
veio conceder ao “projecto”, ou representação gráfica dos elementos
construtivos, uma dimensão que antes nunca conhecera.
O desenho da “ideia” da
obra, antecipando a sua concretização, passou a constituir um dos momentos
fundamentais do processo criativo. Se por um lado, simulando a
tridimensionalidade, facultava ao arquitecto o ensaio das melhores soluções
para os melhores resultados, por outro, o pensamento neoplatónico prevalecente
na cultura renascentista privilegiava o momento prévio da criação – o desenho,
“mãe de todas as artes”, ou a “ideia da obra” antes da sua tradução em matéria
-, apenas ao alcance do arquitecto. Sobretudo, foi importante o enquadramento
da arte, e de todas as artes, em conceitos e metodologias próprias – passando a
arte a ser uma realidade demonstrável como qualquer outra ciência -, e a nova
concepção do artista, como aquele que concebe as coisas no seu pensamento,
fruto do génio criador.