Rembrandt a sorrir,
pintado em 1628, fica no Reino Unido pelo menos até Outubro
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São muitos os auto-retratos
conhecidos de Rembrandt, mas são raros aqueles em que o mestre holandês aparece
a sorrir. Há um, no entanto, no qual o pintor surge ainda jovem e com um ar
leve e feliz. Rembrandt a sorrir, pintado em 1628, é o nome da
obra, avaliada em 16,5 milhões de libras (cerca de 19 milhões de euros)e que
está agora a ser disputada, se assim se pode dizer, entre o Reino Unido e os
Estados Unidos. O que está a acontecer é que um museu norte-americano comprou a
pintura, mas o Governo britânico aplicou uma licença excepcional que a impede
de sair do país durante um tempo.
Mais do que impedir a saída
da obra, ainda que temporariamente, aquilo que o Governo britânico procura com
esta medida é ganhar tempo para até Outubro, data em que termina a licença
excepcional, encontrar financiadores ou compradores que possam adquirir a obra
para o Estado.
A lei britânica prevê que
estrangeiros que comprem obras de arte com mais de 50 anos de antiguidade e que
estejam até então em território do Reino Unido possam ver as suas compras
vetadas, se estiverem reunidas duas condições.
A primeira é que as
autoridades culturais, neste caso o Ministério da Cultura, considerem que a
obra em questão tenha um “significado especial” e a segunda é que uma
instituição britânica pague o valor correspondente da venda (neste caso os 19
milhões de euros) de forma a adquirir a obra ao proprietário original no lugar
do comprador estrangeiro.
A primeira medida já foi
tomada pelo ministro da Cultura, Ed Vaizy, que congelou a exportação do quadro.
Com esta acção, o Governo britânico tem três meses para encontrar um comprador
que possa “garantir esta extraordinária pintura para a nação, onde possa ser
estudada e apreciada por todos”, como defende ao The Guardian Ed
Vaizy. Se até Outubro algum interessado aparecer e precisar de mais tempo para
angariar dinheiro, a licença excepcional que impede a saída da obra poderá ser
estendida por mais seis meses.
Embora o processo pareça
complicado, é já uma prática recorrente no Reino Unido, que ainda há pouco
tempo não conseguiu impedir a saída de uma famosa pintura de Picasso do período
azul, Menina com pomba, que o artista pintou em 1901, aos 20 anos.
O quadro foi comprado pela família real do Qatar por 50 milhões de libras
(cerca de 60 milhões de euros) e nem depois de três meses o Governo conseguiu
um interessado disposto a pagar a mesma soma de forma a impedir a saída do
quadro.
No caso deste Rembrandt,
cujo tamanho não difere muito de uma folha A4, a sua compra foi anunciada em
Maio pelo J. Paul Getty Museum, na Califórnia, que possui uma das melhores
colecções de antiguidades do mundo.
Timothy Potts, director do
museu, reagiu em comunicado, escrevendo que compreende e respeita o processo.
“Estamos ansiosos por uma resposta positiva e pela oportunidade de acrescentar
esta pintura excepcional à nossa colecção”, acrescentou Potts, que comprou a
obra, depois de durante anos ter estado erradamente atribuída a um seguidor de
Rembrandt.
Autentificar obras de
Rembrandt é, segundo os especialistas e os historiadores, uma tarefa muito
difícil, porque o pintor gostava de encorajar os seus alunos e aprendizes a
copiar as suas próprias obras. Muitas das vezes, Rembrandt ajudava a terminar
as obras ou dava-lhes até os últimos retoques. No entanto, desde 2008, com o
recurso a tecnologia avançada, foram já vários os trabalhos, anteriormente
atribuídos aos seus alunos, reclassificados como obras de arte de Rembrandt.
Habituais também são já os
processos que envolvem o J. Paul Getty Museum e o Reino Unido. O interesse da
instituição norte-americana por obras importantes em território britânico é
recorrente. Em 1997, o museu conseguiu levar para os Estados Unidos uma
paisagem de Poussin. Antes disso, em 1994, o museu tentou comprar a obra Três Graças, de
Canova, por 12 milhões de dólares (9 milhões de euros), mas o Victoria and
Albert Museum, em Londres, uniu-se às National Galleries of Scotland e
conseguiu a mesma soma.
Mais recentemente, em 2002,
o museu quis comprar A Madona dos Cravos, de Rafael, por 46,6
milhões de dólares (35,5 milhões de euros), mas o Governo britânico accionou as
mesmas medidas e através do dinheiro gerado pela lotaria nacional e dos apoios
já existentes às artes conseguiu impedir a sua saída, estando desde então em exposição
na National Gallery, em Londres.
Há, porém, quem considere
que a saída deste Rembrandt não é um problema para o Reino Unido. No The
Guardian, a socióloga cultural Tiffany Jenkins defende que a forma
“dramática” como se tem falado deste caso faz parecer que a pintura está em
risco, o que, segundo Jenkins, não é o caso.
“Se a pintura for para a
América, não ficará perdida. Não vai voltar a estar fechada ao mundo numa
colecção privada”, escreve a socióloga, acrescentando que esta será
“um bom acrescento para uma instituição que tem o dinheiro para a
adquirir e cuidar dela, que é o que interessa”.
O Los
Angeles Times escreve ainda que será difícil para o Estado britânico
comprar a obra, uma vez que os cortes na Cultura têm sido muito grandes nos
últimos anos. O jornal lembra o recente episódio de 2011, em que o mesmo museu
comprou uma paisagem de Roma de um dos maiores mestres britânicos, J.M.W.
Turner. Ninguém conseguiu impedir a saída do quadro de 44,9 milhões de dólares
(34,3 milhões de euros).