Duas das esculturas em bronze do artista britânico em Doha
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O artista inglês estreou 14 esculturas gigantes e é alvo
de uma grande retrospectiva em Doha
Um dos artistas mais famosos do mundo, o britânico Damien
Hirst, precisa de mostrar trabalho em contextos não ocidentais e o Qatar, o
país mais rico do mundo, segundo a revista Forbes, quer impor-se
como um dos centros mundiais da arte contemporânea.
Desta equação resulta uma retrospectiva da obra de Damien Hirst,
de 48 anos, e 14 novas esculturas, que estão desde a semana passada em
exposição em Doha, capital do Qatar, naquela que é a primeira grande mostra
individual do inglês no Médio Oriente.
Em termos estratégicos, parece fazer sentido, se tivermos em
atenção que - especialmente na Europa e EUA - a sua presença, segundo o próprio
artista, se tornou saturante. Da parte do Qatar, a aposta nele também tem
lógica, porque aquele país do Médio Oriente tem arriscado uma estratégia de
criar projectos monumentais, desafiando arquitectos e artistas de renome, numa
espécie de passaporte para a modernidade.
Comecemos pelas esculturas. Segundo o New York
Times, tudo terá começado com uma visita da xeque Al Mayassa Hamad bin
al-Thani, de 30 anos, presidente da Autoridade dos Museus do Qatar e irmã do
novo emir, ao estúdio de Damien Hirst em 2009.
O objectivo era persuadi-lo a criar um projecto de
esculturas ao ar livre, para colocar na proximidade do Centro Médico e de
Investigação Sidra, dedicado à saúde das mulheres e crianças. Ele propôs criar
um conjunto de 14 esculturas de bronze de dimensão monumental, oscilando entre
os cinco e os 14 metros, que representariam as diferentes fases da concepção
humana, da fecundação até ao nascimento.
Nome da intervenção: A Viagem Milagrosa. "O
projecto nasceu do desejo de criar qualquer coisa de monumental e ao mesmo
tempo de fundamentalmente humano", justificou. "Em última instância,
a viagem de um bebé até ao nascimento é o que de mais grandioso irá
experimentar na sua vida humana. Espero que as esculturas transmitam a quem as
vê essa sensação de assombro e maravilhamento sobre esse extraordinário
processo humano."
Para além das esculturas, foi também organizada pela
Autoridade dos Museus do Qatar uma retrospectiva gigante do trabalho de Damien
Hirst, que passa em revista 27 anos de carreira, intitulada Relics.
Estará patente no espaço de exposições Al Riwaq até 22 de Janeiro e os muitos
visitantes de todo o Médio Oriente que se esperam poderão ver alguns dos seus
trabalhos mais icónicos como o tubarão em decomposição (The Physical
Impossibility of Death in the Mind of Someone Living) ou o crânio com mais
de oito mil diamantes incrustados.
Mesmo para um país que tem apostado na arte como forma de se
abrir ao mundo e ao mesmo tempo de estabelecer pontes com o Ocidente, a
instalação de Damien Hirst eleva a aceitação da arte ocidental a um novo
patamar.
Ao New York Times, disse que as esculturas
em nada colocam em causa a tradição islâmica vigente no país. "Mostrar um
trabalho como este é menos ousado do que ter uma série de nus", afirmou.
"Há um verso no Corão que fala do milagre do nascimento. Nada do que está
aqui vai contra a nossa cultura ou religião", garantiu.
Ao som de um bater de coração amplificado, a família real do
Qatar compareceu à inauguração. Ao lado de responsáveis governamentais e da
comunidade artística local, viram rebentar os balões que escondiam as
esculturas provocadoras, como lhes chamou o jornal norte-americano. E o jornal
fazia um contraponto: há muitas mulheres em Doha que usam abaya,
que lhes cobre o corpo, ou niqab, que lhes tapa o rosto; é comum as
imagens de mulheres serem censuradas nos livros e revistas; mesmo a
representação do corpo humano não é habitual.
Já se sabe que Damien Hirst só trabalha com grandes números,
ou não fosse um dos artistas vivos mais ricos do mundo. O Qatar, abonado em gás
natural e petróleo, com 1,7 milhões de habitantes e o PIB per capita mais
alto do mundo (segundo a Forbes), terá pago 15 milhões de euros
pela produção das esculturas, que, no seu conjunto, pesam 216 toneladas.
Como se percebe, a grande entusiasta da presença da arte
contemporânea no Qatar é Al Mayassa, alguém que circula com desenvoltura por
eventos internacionais de arte e uma das patrocinadoras da retrospectiva de
Damien Hirst, o ano passado, na Tate Modern de Londres. Formada em Ciências
Políticas e Literatura nos Estados Unidos, tem sido um dos principais rostos
das movimentações culturais do Qatar, propondo-se a actualizar o país através
da arte. Uma acção que não vai abrandar para já, estando previstos mais dois
museus para Doha: o museu nacional do Qatar, concebido por Jean Nouvel, e o
museu orientalista, desenhado pelos arquitectos suíços Herzog & De Meuron