Não era
apenas a técnica pictórica que tanto enfurecia os críticos, mas também os
motivos escolhidos por esses pintores. No passado, esperava-se dos pintores que
observassem um recanto da natureza tido no consenso geral como “ pitoresco “.
Poucas pessoas se apercebem de que essa exigência era, de certo modo,
irracional. Consideramos “ pitorescos “ aqueles motivos que já vimos antes em
pinturas. Se os artistas tivessem de limitar-se a tais motivos, ficar-se-iam a
repetir interminavelmente uns aos outros. Foi Claude Lorrain quem tornou as
ruínas romanas “pitorescas”
Constable e
Turner, na Inglaterra, cada um á sua maneira, tinham descoberto novos modelos
para a arte. O vapor numa tempestade de neve, de Turner, era tão novo pelo tema
como pelo tratamento. Claude Monet conhecia as obras de Turner. Vira-as em
Londres, onde residira durante a guerra franco-prussiana ( I870-I ), e elas
reforçaram a sua convicção de que os efeitos mágicos de luz e atmosfera eram
muito mais importantes de que o tema da pintura. Não obstante uma tela como a
da fig. 338, que apresenta uma estação ferroviária de Paris, chocou os críticos
como se fosse uma desfaçatez e uma insolência inominável. Eis aí a “impressão”
real de uma cena da vida quotidiana. Monet não está interessado na estação
ferroviária como lugar onde seres humanos se encontram ou se despedem; está
fascinado pelo efeito da luz coada através do telhado de vidro que se mistura
às nuvens do vapor, e pela forma das locomotivas e carruagens que emergem da confusão.
Entretanto, nada existe de casual nessa descrição de uma cena de que o pintor é
testemunha ocular. Monet equilibrou os seus tons e cores tão deliberadamente
quanto qualquer paisagista do passado.
Os pintores
desse jovem grupo de impressionistas aplicaram esses novos princípios não só á
paisagem, mas a qualquer cena da vida real. A fig. 339 mostra uma tela de
Pierre Auguste Renoir ( I84I – I9I9), pintada em I876, que representa um baile
ao ar livre em Paris. Quando Jan Steen (p.428, fig. 278) representou uma cena
festiva, mostrou-se ansioso por retratar os vários tipos de pessoas expressando
alegria. Watteau, nas suas cenas fantasiosas de festejos aristocráticos (p.
454, fig. 298), quis captar o estado de espírito de uma existência descuidada.
Existe algo de ambos em Renoir. Também ele tinha em vista o comportamento da
multidão jubilosa e encantava-se com a beleza festiva. Mas o seu interesse
principal não residia aí. Renoir quis realçar a alegre combinação de cores
brilhantes e estudar o efeito da luz do sol sobre a multidão revolteante. Mesmo
se o compararmos com a pintura feita por Manet do barco de Monet, o quadro
parece apenas esboçado, inacabado.
Somente as
cabeças de algumas figuras no primeiro plano são apresentadas em pormenor, mas
mesmo estas estão expostas da maneira mais audaciosa e menos convencional. Os
olhos e a testa da jovem sentada ficam na sombra, enquanto o sol brincar em
torno da sua boca e do queixo. O vaporoso vestido foi pintado em largas
pinceladas, mais soltas do que as usadas por Frans Hals ou Velázquez. Mas essas
são as figuras que os nossos olhos focam. Por detrás delas, as formas
dissolvem-se cada vez mais no sol e no ar. Recorde-se o modo como Francesco
Guardi evocou as figuras dos seus remadores venezianos com um punhado de manchas
coloridas.
Transcorrido
um século, é muito difícil entender por que esses quadros provocaram um
tempestade de indignação e escárnio. Percebemos sem dificuldade que a aparente
superficialidade nada tem a ver com o desleixo, antes é, pelo contrário, resultado
de um grande talento artístico. Se Renoir tivesse pintado todos os pormenores,
o quadro teria um aspecto enfadonho e sem vida. Recordemos que um conflito
semelhante já fora enfrentado pelos artistas no século XV, quando pela primeira
vez descobriram como reflectir a natureza. Recorde-se ainda que os próprios
triunfos do naturalismo e da perspectiva tinham levado as figuras parecerem um
tanto rígidas, como se fossem de madeira, e que somente o génio de Leonardo
logrou superar essa dificuldade, fazendo com que as formas se fundissem
intencionalmente em sombras – o recurso que foi então denominado sfumato. A
descoberta pelos impressionistas de que as sombras escuras do género usado pelo
Leonardo para modelar não ocorrem ao ar livre e à luz do sol vedou-lhes o
recurso a essa saída tradicional. Por conseguinte, tiveram que ir ainda mais
longe do que qualquer geração anterior, realizando a dissipação intencional de
contornos claros e definidos. Sabiam que o olho humano é um instrumento
maravilhoso. Basta proporcionar lhe a sugestão certa e ele encarrega-se de
construir para nós a imagem total que sabe estar ali. Contudo, é preciso saber
como olhar para tais pinturas. As pessoas que visitaram a primeira exposição
impressionista obviamente enfiaram o nariz nas telas e não viram senão um
conjunto de pinceladas ao acaso; por isso, pensaram que os pintores deviam ser
doidos varridos.
Perante
quadros como o da fig. 340, em que um dos mais antigos e metódicos líderes do
movimento, Camille Pissaro ( I830 – I903), evocou a “impressão” de um boulevard
parisiense num dia de sol, essas pessoas escandalizadas perguntavam: “ Se eu
caminhar pelo boulevard… tenho esse aspecto? Perco as pernas, os olhos, o
nariz, e converto-me num glóbulo informe? “. Uma vez mais, era conhecimento do
que “faz parte “ de uma pessoa que interferia na avaliação do que é realmente
visto.
Levou algum
tempo até o público descobrir que, para apreciar um quadro impressionista, se
deve recuar alguns metros e desfrutar o milagre de ver essas manchas intrigantes
de súbito organizarem-se e ganharem vida diante dos olhos. Realizar esse
milagre e transferir a experiência visual do pintor para o espectador constitui
a verdadeira finalidade dos impressionistas.
A sensação
de uma nova liberdade e de um novo poder adquirido por esses artistas deve ter
sido algo muito inebriante; deve tê-los compensado por boa parte da zombaria e
hostilidade que tinham enfrentado. De repente, o mundo inteiro oferecia temas
adequados para a paleta do pintor. Onde quer que ele descobrisse uma bela
combinação de tons, uma configuração interessante de cores e formas, uma viva e
aprazível mancha de sol e sombras coloridas, podia instalar o cavalete e tentar
transferir a sua impressão para a tela. Os velhos chavões do “tema condigno”, da
“ composição equilibrada”, do “desenho correcto” foram enterrados. O artista só
era responsável pelo que pintava e como pintava ante a sua própria
sensibilidade. Olhando retrospectivamente para essa luta, talvez surpreenda
menos as concepções desses jovens artistas terem encontrado resistência do que
o facto de terem sido tão rapidamente aceites como verdadeiras. Pois, embora a
luta fosse feroz e tão árdua para os pintores envolvidos, o triunfo final do
impressionismo foi definitivo. Alguns desses jovens rebeldes, pelo menos –
sobretudo Monet e Renoir - , viveram tempo suficiente para gozar os frutos
dessa vitória, tornando-se famosos e respeitados em toda a Europa.
Presenciariam o ingresso das suas obras em colecções públicas, agora
convertidas em bens cobiçados pelos ricos. Essa transformação, além do mais,
causou uma impressão duradoura nos artistas e críticos. Aqueles que haviam
escarnecido admitiram ser deveras falíveis nos seus juízos. Se tivessem
comprado essas telas em vez de zombarem delas, teriam enriquecido em pouco
tempo. Dessa fragorosa queda de prestigio, a critica nunca mais recuperou. A
luta dos impressionistas tornou-se uma valiosa lenda para todos os inovadores
em arte, que agora podiam apontar esse notório fracasso geral em reconhecer e aceitar
novos métodos. Num certo sentido, esse fracasso tornou-se tão importante na
história da arte como a vitória final do programa impressionista.
Talvez essa
vitória não fosse tão rápida e tão completa sem a interferência de dois aliados
que ajudaram as pessoas do século XIX a ver o mundo com olhos diferentes. Um
desses aliados foi a fotografia. Nos primeiros tempos, essa invenção foi usada
principalmente para retratos. Os tempos de exposição eram muito longos, e as
pessoas que se sentavam para ser fotografadas deviam ter certos apoios, a fim
de permanecerem quietas por tanto tempo. O advento da máquina fotográfica
portátil e do instantâneo ocorreu na mesma época que presenciou a ascensão da
pintura impressionista. A máquina fotográfica ajudou a descobrir o encanto das
cenas fortuitas e do ângulo inesperado. Além disso, o desenvolvimento da
fotografia iria impelir ainda mais os artistas no seu caminho de exploração e
experimentação. Não havia necessidade de a pintura executar a tarefa que um
dispositivo mecânico podia realizar melhor e mais barato. Não devemos esquecer
que, no passado, a arte da pintura serviu numerosos fins utilitários. Era usada
para registar a imagem de uma pessoa notável ou de uma residência campestre.