A cristandade ocidental face ao Islão – as cruzadas e a Jihad M3





Cerca de 610, Maomet, mercador e caravaneiro do deserto da Arábia, iniciou uma intensa actividade religiosa. Acreditava ter sido enviado por Deus para tirar os Árabes da idolatria e conduzi-los à salvação. Uma noite, enquanto meditava na solidão do deserto, viu aparecer-lhe o anjo Gabriel, que lhe disse: “Maomet, tu és o profeta de Allah. Prega”.


Desde então até à sua morte, em 632, Maomet dedicou-se por completo à glória de Allah (Deus em árabe) e à difusão da sua palavra. Fundou, assim, uma nova religião – o Islão –, cujos princípios fez registar num livro sagrado, o Alcorão (ou Corão). Segundo Maomet, estes princípios tinham-lhe sido confiados por S. Gabriel e constituíam a verdadeira revelação de Deus. No Alcorão, que contém orientações sobre todos os aspectos da vida dos crentes, estão definidos os cinco pilares do Islão: a crença num Deus único, Allah, e o reconhecimento de Maomet como seu profeta; a oração; a esmola; o jejum do Ramadão e a peregrinação a Meca.


Mas, para além destes princípios, que devem ser integralmente respeitados, desde logo se estabeleceu ao crente a obrigação da Jihad, guerra santa, destinada a espalhar a fé.



“Ó crentes! Ponde-vos em guarda! Lançai-vos contra os nossos inimigos em grupos ou em bloco (…). Àqueles que combatem na senda de Allah, quer estejam mortos, quer estejam vitoriosos, conceder-se-á uma enorme recompensa.”


Corão



Foi o próprio Maomet quem a iniciou, submetendo pelas armas as tribos árabes que perseveravam na idolatria.


O legado de Maomet ultrapassou, em muito, o aspecto religioso. Os árabes, que até ai tinham vivido em tribos dispersas, tornaram-se num povo unido sob a bandeira de uma fé comum e dispuseram-se a conquistar o Mundo. Um século após a morte do profeta, o Islão estendia-se por uma área imensa, que abarcava três continentes e uma grande multiplicidade de povos.


Durante cerca de quatro séculos (do século VIII ao início do século XII), a Cristandade apequenou-se face ao Islão. Este impôs o seu poder militar e apropriou-se do comércio mediterrânico. Desenvolveu uma civilização próspera e requintada, onde brilhavam cidades magníficas e onde as ciências, a poesia e a filosofia floresceram intensamente. Comparado com o mundo islâmico, o mundo cristão parecia pequeno, pobre e rude, pequenas ilhas de desenvolvimento rural dentro de um universo pejado de florestas, montanhas e vales. De quando em quando, avistava-se uma cidade, invariavelmente tímida, raquítica, sem esgotos e onde a sobrevivência, todos os dias, era arrancada da terra a muito custo.


Contudo, a partir do ano 1000, um pequeno florescimento económico, marcado por bons anos agrícolas, novos arroteamentos e um aumento da população, permitiu ao ocidente europeu respirar uma lufada de ar fresco e gizar a sua primeira dilatação de fronteiras. Assim, em 1095, a Cristandade deu um sinal claro de que as coisas estavam prestes a mudar. Atendendo ao apelo do papa Urbano II, o Ocidente desencadeou a primeira de uma série de grandes ofensivas militares, conhecidas por Cruzadas. O seu objectivo era a libertação dos Lugares Santos da Palestina, que se encontravam sob o poder dos muçulmanos.



“E nós, exultantes de alegria chegamos junto da entrada de Jerusalém na terça-feira (…) e sentimo-la. Roberto da Normandia sitiou-a do lado norte, perto da igreja do primeiro mártir, Santo Estêvão, no lugar onde foi lapidado em razão da sua fé a Cristo (…). Na sexta-feira, à primeira hora da manhã, iniciamos o assalto geral à cidade. Uma vez dentro, os nossos perseguiram os Sarracenos, tendo travado um furioso combate todo o dia, até ao ponto de tudo ficar inundado de sangue (…). Pouco tempo depois, já com a batalha ganha, os cruzados percorreram toda a cidade, saqueando as casas e roubando o ouro, a prata, os cavalos e as mulas.”



História anónima da Primeira Cruzada



De acordo com S. Bernardo de Claraval, fundador da ordem de Cister, as cruzadas representavam para os Soldados de Cristo, o seguinte:


“Ela é verdadeiramente santa e segura essa cavalaria (…) desde que combata por Cristo (…). Para os Cavaleiros de Cristo, é em toda a segurança que combatem pelo Senhor sem temor de pecar por matar os seus adversários, nem de se perderam, se morrerem eles próprios. Quer dêem a morte quer a sofram, é sempre uma morte por Cristo: não tem nada de criminoso e é muito gloriosa”.


Elogio da nova milícia



Embora, a nível militar, o êxito das expedições tenha sido reduzido, os cristãos não lograram estabelecer um domínio duradouro na Palestina, o movimento das cruzadas fortaleceu a ideia de uma sociedade encabeçada por um ideal religioso, suficientemente forte para lutar, unida, contra os inimigos da fé. Este ímpeto guerreiro ultrapassou as expedições à Terra Santa e fez-se sentir em todas as zonas de confluência do mundo cristão com o mundo muçulmano, a Península Ibérica é disso um exemplo.


No século XIII, a Europa Ocidental tinha, claramente, recuperado do seu abatimento face ao Islão. Seguir-se-iam tempos de rivalidade mais equilibrada, com avanços e recuos para ambas as partes. Mas, grosso modo, estavam já delimitadas as áreas de influência das duas regiões: o Ocidente era cristão; o Oriente, muçulmano.


Baseado em Célia Pinto do Couto, O Tempo da história, porto, porto editora, 2005