Fotógrafo alemão Thomas Struth: Fotografar toda a complexidade do mundo


Fotógrafo alemão Thomas Struthr legenda
 Thomas Struth já tinha exposto em Portugal, mas nunca sozinho. Serralves reúne agora o trabalho que este importante fotógrafo alemão produziu nos últimos 30 anos. “Se enviar cinco fotógrafos para fotografar a mesma coisa todos eles voltarão com imagens diferentes e isto é um facto político”, diz, enquanto explica como Gerhard Richter o convenceu a deixar de pintar
Thomas Struth tem um trabalho muito rigoroso e analítico, não cedendo a impulsos de inspiração nem à pressão do tempo. Interessa-lhe usar a fotografia para construir um mosaico do mundo onde vive, e por isso surgem na sua obra tantos temas diferentes: arquitectura, natureza, tecnologia, retratos de famílias ou imagens de visitantes de museu.

A fotografia foi um acidente na vida deste alemão que nasceu em Geldern, em 1954. Aos 20 anos Thomas Struth era estudante de pintura e frequentava as aulas de Gerhard Richter na Academia de Arte de Düsseldorf. Foi por pressão do professor que em 1976 se juntou à primeira turma do histórico casal Bernd e Hilla Becher e foi com eles que aprendeu a fotografia que ainda hoje pratica.

Em conjunto com Andreas Gursky, Axel Hütte, Candida Höfer e Thomas Ruff (todos ex-alunos dos Becher) faz parte da chamada Escola de Düsseldorf que, de acordo com a história canónica da fotografia, se caracteriza pela objectividade das imagens que produz. Esta Nova Objectividade Alemã, nome genérico pelo qual são tratados, caracteriza-se por uma abordagem documental à fotografia que procurava, através das possibilidades dos meios mecânicos da máquina, representar o mundo de um modo claro, em detrimento de interpretações, gostos ou sentimentos artísticos.

É nesta tradição iniciada nos anos de 1920 por Karl Blossfeld, Albert Renger-Patzsch e August Sander que se deve contextualizar o modo como Struth entende a sua obra. Hoje o fotógrafo já não pretende documentar ou registar objectivamente o mundo, mas continua a fazer uso dos pressupostos técnicos, conceptuais e analíticos da herança em que foi formado.

A exposição antológica, comissariada por James Lingwood e agora apresentada no Museu de Serralves, no Porto, é a maior exposição de sempre do artista e reúne trabalhos entre 1978 e 2010. Um conjunto impressionante em que sobressai um modo próprio de olhar e de descrever visualmente o mundo. No dia da inauguração, Struth falou com o Ípsilon sobre a exposição, a descoberta da fotografia e os temas que marcam a sua obra.

O que é que sente quando vê tantos trabalhos seus reunidos numa exposição?

É maravilhoso. Quando se faz uma grande retrospectiva surgem sentimentos e pensamentos muito diferentes, contraditórios. No essencial, ter os trabalhos juntos permite ver se os antigos ainda fazem sentido. Por exemplo, quando olho para aquelas fotografias de 1978 de Nova Iorque ["Streets of New York"] não penso que fazem parte do meu trabalho antigo, mas relaciono-me com uma certa ideia de prática pictórica que ainda é válida no nossos dias.

Os trabalhos transformam-se quando são postos ao lado uns dos outros?

Claramente. A proximidade integra-os numa nova narrativa. Por exemplo, quando se entra aqui vê-se um pormenor de um reactor de fusão ["Tomak Asdex. Upgrade Interior", 2009], quando se olha para a esquerda vêem-se duas ou três pequenas imagens a preto de branco de Nova Iorque. E nota-se uma estranha semelhança entre a arquitectura da cidade e a arquitectura de um aparelho científico. E ao fundo surge uma grande imagem de Times Square ["Times Square", 2000, da série "Places of Worship"]. E estas relações que eu reinvento permitem uma redescoberta dos trabalhos.

Existe uma grande variedade de temas na sua obra. Tem séries sobre florestas, cidades, retratos de famílias, tecnologia. Quais são as linhas de força e os elementos que unem toda esta diversidade?

São diferentes capítulos daquilo que acontece e daquilo com que qualquer pessoa tem de lidar na sua vida. Estou sempre a pensar nos aspectos mais gerais da existência.

Num texto do catálogo, Armin Zweite [crítico e teórico alemão que foi director do importante museu de Düsseldorf K21 e que foi quem convidou Struth para fazer a retrospectiva] diz que o seu trabalho "clarifica a complexidade do mundo". É a isto que se está a referir?

O ponto de partida da minha prática não é esse. Isso é muito metafísico. Eu não começo a trabalhar com ambições desse tipo. Mas essa clarificação acontece através da acumulação das diferentes observações que faço com o meu trabalho. Existe sempre o desejo de definir o meu ponto de vista e o modo como me relaciono com o mundo e com aquilo que acontece.

Foi para a Academia de Artes de Düsseldorf e começou por estudar pintura. O que é o que o levou para a fotografia?

Olhando para trás, e esta é uma descoberta recente, consigo perceber que o meu interesse pela fotografia nasceu através dos álbuns da minha família: aí descobri a juventude dos meus pais, dos meus avós, conheci os meus irmãos bebés e vi-me recém-nascido. Tudo isso foi uma experiência muito fascinante. Fiquei particularmente intrigado com um álbum do meu pai, que nasceu em 1919, com fotografias tiradas quando ele tinha 18/19 anos e estava no exército nazi. Há fotografias dele em França, com uma arma na mão, no meio do campo, a descansar das grandes marchas. E há um retrato num estúdio de fotografia em está muito belo e tranquilo. Estas imagens diferentes fascinaram-me porque me davam informações muito contraditórias da vida daqueles terríveis tempos de sofrimento. Talvez se fossem outras pessoas eu não ficasse tão fascinado, mas o facto de serem da minha família obrigou-me a estabelecer uma relação fortíssima com estas fotografias. A minha experiência iniciática foi esta - descobrir o quão forte a nossa relação com a fotografia pode ser.

Mas quando é que descobriu que não era pintor, mas fotógrafo? Quando é que decidiu deixar de ser aluno de Richter e passar para a turma de Bernd Becher?

Quando tinha 22 anos e fotografava cada vez mais. E quis fazer um conjunto de fotografias de ruas vazias, com perspectiva central. Não conhecia ainda ninguém da fotografia, foi uma coisa que surgiu espontaneamente - eu andava a pintar arquitectura com os dedos e quis ir fotografar pessoas na arquitectura. Depois descobri que não precisava de ter as pessoas na imagem, porque o humano está sempre presente: são pessoas que constroem a arquitectura deixando as suas marcas nos edifícios e, por isso, decidi fotografar Düsseldorf vazia. Passados uns meses fiz uma exposição com estes trabalhos na academia e o Richter mandou-me para a aula do Becher. E perguntei-lhe: "Mas de quem é que está a falar?" E ele insistiu para que eu desistisse da pintura e fosse para o departamento de fotografia.

É interessante notar que o seu primeiro professor tenha sido um pintor que nomeia uma parte importante do seu trabalho como foto-pintura...

Sim, claro. Mas o mais interessante na minha relação com o Richter foi quando fui assistente dele e fiquei muito impressionado pelo profissionalismo e rigor do modo como trabalhava. Não havia sentimentalismo artístico, mas uma prática muito conceptual e planeada. E ele tinha sempre fotografias por todo o lado: lembro-me de ver no estúdio imensas imagens que hoje fazem parte do seu "Atlas". Um processo muito analítico e conceptual em que me reconheci.

Mas o que é encontrou na fotografia que não viu na pintura?

Com qualquer obra de arte, peça de música ou de literatura, questionamo-nos sobre a sua validade não para quem as faz, mas para muita gente. E na minha prática artística perguntava-me sobre quais os elementos de que precisava para fazer alguma coisa que tivesse valor e fosse interessante para mais pessoas. Porque se o meu trabalho só fosse interessante para mim, não teria qualquer valor, não podia ser bom. A pergunta a ser feita é: "Como é que se representa uma narrativa particular que tenha o estatuto de exemplar?"

Isso parece afastar da sua prática a ideia, muito veiculada a propósito da sua geração de artistas-fotógrafos, de uma fotografia objectiva. E numa entrevista disse "não é possível tirar fotografias objectivamente e qualquer aproximação é inatamente sujectiva e, portanto, política".

Eu disse isso como provocação, porque me aborrece muito a discussão entre subjetividade e objectividade na prática da fotografia alemã. Claro que tudo é subjectivo: é a natureza humana, tudo está exposto a interpretação. E esta é a condição da visão e, por isso, toda aquela discussão é maçadora. Claro que existem imagens como as das câmaras de vigilância, que permitem detectar acontecimentos materiais objectivos, mas esse assunto não me interessa nada.

E a questão política?

No que quer que façamos assumimos um ponto de vista e as nossas práticas são declarações sobre o que sabemos e podemos fazer. Junte-se a isso o facto de vivermos com amigos, numa cidade, num país, e de agirmos como cidadãos. Todos os nossos gestos têm consequências políticas. É uma afirmação muito genérica, mas certeira. Por exemplo, se comparar o meu trabalho com o dos meus colegas, como o Gursky, o Ruff ou a Höfer, vê que temos olhares muito diferentes e procuramos coisas distintas. Se enviar cinco fotógrafos para fotografar a mesma coisa todos eles voltarão com imagens diferentes e isto é um facto político.

Se o seu trabalho não é uma tentativa de retratar o mundo objectivamente, se não é sobre as cidades e a arquitectura, se não é sobre o tempo, podemos dizer que trata de imagens reflexivas?

É isso mesmo.

E decidiu fotografar as cidades quase sempre sem pessoas ["Düsseldorf", 1977; "Rome", 1984; "Japan", 1996] para evidenciar não estarem em causa as coisas materiais ou factuais dos lugares que fotografa?

Nesses trabalhos eu estava interessado nas atmosferas. O ponto de partida foi mais técnico: as exposições prolongadas não deixavam ter pessoas a andar de um lado para o outro e depois descobri que os edifícios por si só têm características humanas - foram construídos por pessoas que têm opiniões, um ponto de vista, que tomam decisões e que se expressam através da arquitectura.

E por que razão dá o título "Lugares Inconscientes" ["Unconcious Places 1", 1982, e "Unconcious Places 2", 1999] a muitas dessas fotografias?

Foi uma decisão posterior. Fiz uma exposição em Bergen com essas fotografias e precisava de um título que mostrasse o que me interessava e não de um que descrevesse as imagens. O meu interesse era muito mais genérico e era sobre o modo como a arquitectura é uma espécie de pele das pessoas. Lutei durante muito tempo para encontrar o título certo. E aconteceu o mesmo com a série de florestas a que chamei "Novas Imagens do Paraíso" ["New Pictures of Paradise", 1998]. Aqui queria mostrar que não estou interessado em botânica, mas nas diferenças formais e orgânicas entre as plantas.

E é na série dos museus ["Museo del Prado", 2005; "Museum Photographs 1", 1989-1992; "Museum Photographs 2", 1996-2001] que a pintura regressa ao seu trabalho?

Sim, foi uma coisa inconsciente. Usei a pintura por causa da carga histórica e para criar uma tensão entre o tempo daqueles quadros e o presente da fotografia. São trabalhos que me permitem explorar as diferentes reacções que as obras-primas provocam. E em "Audiences" (2004-2005) queria ser a obra de arte que devolve o olhar aos espectadores.

Os seus últimos trabalhos sobre a tecnologia parecem muito abstractos, próximos do carácter pictórico da pintura. O que é que o fascina na tecnologia?

A capacidade que tem de moldar o mundo. E estes trabalho são expressões da confusão e complexidade do mundo em vivemos.