Cinema | Anos 80 - Modo de usar


Por Joana Amaral Cardoso, Jorge Mourinha
Fernando Lopes (Foto: Lionel Balteiro)
As estreias não tinham dia fixo, os filmes ficavam anos em exibição e certos autores tinham em cada sala o seu poiso - esta era uma década de fidelidades. Os autores, aliás, ainda eram o "mainstream". Mas foi a década em que o cinema, tal como o conhecíamos, começou a deixar de existir. A Cinemateca programa, a partir de dia 18, "Eram os Anos 80". Quem os viu e quem os vê, Coppola, Scorsese, Almodóvar, Lynch, Oliveira... (Texto publicado a 4 de Junho de 2010)

"Eram os anos 80", diz o ciclo que dia 18 inaugura na Cinemateca Portuguesa, em Lisboa: Coppola, Scorsese, Woody Allen, Cassavetes, Truffaut, Rohmer, Lynch, Jarmusch ("Stranger than Paradise", a abrir), Spike Lee, Moretti, Von Trier, Kurosawa, John Huston, Fassbinder, Wenders, Tarkovski ou Leone. Uma década que aqui, em Portugal, começa num misto de ressaca e estado ébrio pósrevolução, mas que abraça também a entrada na então CEE (e queriam desesperadamente ver Portugal na CEE). Queríamos ser outros, como o resto da Europa, e já éramos outros.

O fim dos cineclubes os primeiros multiplex. A cassete, primeiro de áudio, depois de vídeo os videoclubes. O walkman, bolas, há 30 anos. O cinema só saía à noite e se manifestava em salas, ia parar à TV ou ganhava corpo VHS.
Alteridade porque gostávamos de ter dado o salto antes, como os vizinhos espanhóis com a intensa Movida, que deu às artes Almodóvar.Eles, os outros, tinham caramelos, alcagoitas e Danone, marcas da Europa que íamos comprar nas férias. Queríamos a globalização e nem sabíamos que com ela os meios de comunicação colectivos passariam a "self-media". Será que queríamos tudo isto? Queríamos esclarece João Pedro Rodrigues, cineasta e cinéfilo "um pouco obsessivo", como ele queria, "ver todos os filmes de cada realizador". E eles estavam por aí, nas salas únicas, na Cinemateca, na Gulbenkian, nos institutos, na RTP2. Atenção: havia cinema, sessões cheias, clássicos na Cinemateca e novidades europeias e "matinées" nos cineclubes. Existiria, no final da década, uma febril produção cinematográfica em Portugal, novos e velhos realizadores ao leme, a mexer na moda, no design, na música o que Inês de Medeiros, deputada, actriz, realizadora, chama "os anos Frágil", cujas noites começavam na Cinemateca e acabavam no "hub" de Manuel Reis. Mas neste mesmo Portugal, no início dos 80s, acontecia ainda muito pouco. Como frisa Inês de Medeiros, este é um olhar "nostálgico, mas sem saudosismo" sobre a década. E como diz Pedro Caldas: hoje não é bom, nem mau; é diferente. O honroso bando de cinéfilos ouvidos pelo Ípsilon nasceu ali, fins da década de 1970, plenos anos 1980. Era uma dependência independente dependiam dos ciclos, dos festivais, dos programadores para ver cinema e davam-lhes os novos independentes, os velhos clássicos. Fosse na Gulbenkian, nos famosos ciclos do cinema dos anos 1930 (1977), 1940 (1979) ou 1950 (1981), ou no Quarteto, Estúdio 444, Cinebloco, Apolo 70... Há sempre algo de agridoce ao visitar a geografia passada, sobretudo ao tentar fazer uma história oral da cinefilia 80s. A toponímia mostra a inevitabilidade da nostalgia ah, o extinto Quarteto; suspiro pelo Império; lamento pela Sala Bebé. Esta foi a década em que, pela última vez, se construía a cinefilia numa sala de cinema. O "home video" e o "home cinema" ainda não existiam. "Home" é onde o futuro estaria.

Fim do cinema?
O programador do ciclo "Cinema Anos 80", António Rodrigues, postula: os anos 80 foram "o período em que o cinema propriamente dito começou a deixar de existir", culpando o vídeo doméstico pelo encerramento de metade das salas europeias.
Há mágoa ao pensar na "religiosidade" (Caldas), na "cerimónia" (Medeiros), na "hipnose mágica" (Fellini) da sala de cinema como "sala de espectáculos" (António Roma Torres, psiquiatra, cineclubista e crítico de cinema). As últimas temporadas de "reprises" (os verões do Império, Condes, Monumental). Os cinemas eram de bairro e estavam ao lado dos espectadores.
"Morávamos no Lumiar. Em 1980, eu tinha 14 anos e os meus pais iam deixar-me ao cinema à tarde.