Jean – François Millet (1814-1875) | Palheiros: Outuno. M6

Assinado: J. F. Millet | c. 1868 | Pastel | A. 0,69 x L 0,93 m.
Proveniencia: Colecção Albert Cahen d´anvers.
Adquirido por intermédio de Graat et Madoulé na Venda Cahen d´Anvers,
Galeria Georges Petit, Paris, a 14 de  Maio de 1920.


Jean – François Millet (1814-1875)

E
mbora assumindo orientações diversas, a tendência para a valorização do real/natural na pintura vai-se progressivamente constituindo como afirmação pictórica ao longo do século XIX. O crescente descrédito do convencionalismo académico entre os artistas que se pretendem inovadores acaba por elevar a um plano de destaque aqueles que privilegiam a emoção como elemento primordial na transposição conceptual das evocações (in)tangíveis (re)criadas. Génio independente, personalidade brilhante e preponderante relativamente aos restantes elementos do grupo de Barbizon, Jean François Millet esteve, embora devidamente demarcado dos fundamentos doutrinários defendidos por Courbet, associado à elaboração de um novo naturalismo. Para tal, elegeu o Homem na sua constante e dura relação com o meio como tema essencial de uma obra a que conscientemente conferiu um carácter fatalista: “c´est le côté humain, franchement humain, qui me touche le plus en art…cen´est jamais le côté joyeux qui m´apparâit, j ene sais pas où il est, j ene l´ai jamais vu”.


Esta paisagem pura e austera, de um lirismo violento, bela mas melancólica, inscreve-se num conjunto de trabalhos iniciado pelo pintor na década de sessenta. O núcleo é dedicado à representação de campos imensos onde, a uma impressionante perspectiva de construção, prevalece associada a força moral e a imutabilidade do instante captado, num quadro quase brutal de evidente densidade espiritual. O domínio de Millet é o domínio silencioso da planície gelada (interiorizada), dos horizontes infinitos, do espaço solitário e agreste onde os vestígios do trabalho e dos gestos das gentes simples se conciliam com a terra amada. 


Sem ser acessório ou intruso, o homem é neste caso passageiro ou efémero. A monotonia sonolenta que o olhar percorre é também ela aparente. Ao submeter a totalidade do universo representado à irreversibilidade cíclica do tempo que tudo condiciona, Millet sintetiza dessa forma a verdade da composição. A simplicidade esquematizada do conjunto é definida pela delimitação preliminar do desenho, conferindo o pintor, através de uma estrita utilização da cor – que acentua a visão de um mundo cinzento – a sugestão da atmosfera desolada e rude, cuja intensidade sombria monopoliza a paisagem de infinita permanência. De perspectiva bem mais próxima, mas de inspiração não distante, possui o Metropolitan Museum of Art um óleo de Claude Monet intitulado montes de feno com neve, com data de 1891.

Jean – François Millet (1814-1875)
Hino sincero à natureza e à vida no campo, esta obra de rara qualidade e grande sensibilidade é bem reveladora da enorme riqueza interior do seu criador, cujo talento, tão singular – um dos mais poderosos do século, seguramente -, não só se afirma continuador da longínqua tradição de Bruegel como anuncia a arte de excepção que, um pouco mais tarde, Van Gogh virá a praticar.